O meu professor de produção de eventos, João Sachetti ( um verdadeiro dinossauro no mundo da produção, tendo estado envolvido em projectos como a Expo98, no Dakar, no Estoril Open…) transmitiu-nos, logo na primeira aula a seguinte ideia:
“A produção é fundamental para o vosso sucesso. A ideia pode não ser boa, mas se tiver a produção certa, resulta. Já se tiverem um conceito fabuloso, com uma produção fraca, o vosso evento vai ser um fracasso”. Bom, ponhamos de parte a generalização, que pode ser perigosa, e continuemos. Ao dizer isto, deu o exemplo do cinema, em que grandes produções atraem grandes quantidades de pessoas, ainda que o enredo do filme seja fraco.
A maior parte das pessoas associaria o exemplo a filmes como o Armaggedon. Sim, eu também fiz essa associação, mas fiz outra, bem menos consensual. Lembrei-me imediatamente do Death Proof, do Quentin Tarantino. (Desculpem lá estar a falar de um filme tão “antigo” mas quando ele saiu o meu querido blog ainda era um embrião e ando com isto entalado).
Antes de me caírem todos em cima, devo dizer-vos que gosto bastante de grande parte dos filmes do senhor (até de alguns menos conhecidos, como o Quatro Quartos). Como apreciadora de humor negro e ironia, seria impossível não gostar. Agora, convém que o filme tenha, hum, bom… história!
Sim, o problema pode ser meu. Se calhar não podia ir com expectativas muito elevadas para um filme em que o realizador (que, neste caso, também foi argumentista e produtor) pretende fazer “a melhor perseguição de carros de sempre”. Mas pronto, era o Tarantino, tinha de ir ver. Ou seja, caí na esparrela.
Não quero armar-me em crítica de cinema (apenas em crítica, hehe) mas, na minha opinião, as duas horas e meia que se seguiram foram de enredo vazio, pontuado por personagens cliché e desinteressantes. O Kurt Russel revelou-se um Stuntman Mike mais patético que assustador. E a supostamente sensual Jungle Júlia tinha um ar tão lânguido que parecia estar meio a dormir.
Críticas à parte, o filme teve pormenores de que gostei. Gostei da cena do primeiro acidente; alguns aspectos de filme série B e Grindhouse estavam interessantes, bem como alusões descaradas a outros filmes do Tarantino (como o assobio no telemóvel). Mas pronto, fiquei por aí.
Agora, curiosamente (ou não, porque sou uma pessoa famosa, popular e amada por muitos) encontrei um amigo, que não via há muito tempo, na sala de cinema. No fim do filme, enquanto tentava segurar o queixo, que insistia em descair, perguntei-lhe se tinha gostado. Ele lança-me um olhar de ligeiro enfado perante a pergunta demasiado óbiva e desnecessária e diz, como se não houvesse margem para dúvidas: “É Tarantino…”.
E eu pergunto: “E então?”.
Nos dias que se seguiram, comentei o filme com outras pessoas. Quase toda todas gostaram. Algumas salientaram o aspecto “entertaining” do filme, que eu não refuto. Outras admitiram que não era dos melhores dele mas que se via bem.
Agora, com os restantes 70%, a conversa seguia mais ou menos assim:
“Gostaste do Death Proof?”
“É Tarantino”.
“Mas gostaste?”,
“Bom, a primeira parte (ou seja, cerca de metade do filme) era um bocado chata, mas a segunda perseguição é gira”
“Mas não achaste que a história era um bocado vazia?”
“É Tarantino”
Pessoal, o Rei vai nú! Não precisam de gostar só porque é do Tarantino.
E aqui entra a minha tese, que vai ao encontro da do meu professor. Não fosse a produção do filme (e o grande nome associado a ela); não fosse o facto de o realizador ser já um produto que vende automaticamente, as pessoas que dão o argumento “È Tarantino” teriam simplesmente achado o filme medíocre ou mesmo mau.
Sim, mais uma vez reconheço que também eu fui atraída pelo nome; é inevitável, tudo isto faz parte da máquina da indústria do cinema em particular e do entretenimento em geral. Não pretendo criticar ninguém por ter gostado do filme, crítico apenas os argumentos pessoais tão vazios como o argumento do filme.
Mas aposto, e adorava fazer esse estudo, que se o filme fosse feito por um realizador igualmente famoso mas de quem é “aceitável” não gostar, todas estas pessoas teriam ido ver à mesma, mas a grande maioria não teria gostado.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
10 comentários:
Concordo contigo no essencial: tambem achei o filme fraco, fraco e vazio. Entertenimento, sim, mas não é para me entreter que eu vou ao cinema, sobretudo para ver um filme de quem já fez o Pulp Fiction ou o Cães Danados.
Agora o que me parece especialmente interessante no Tarantino é o facto de ele escapar à indústria cultural de hollywood. O filme, que eu me lembre, rendeu pouco, nos EUA. E por estes lados o tarantino continua a ser um "realizadorde culto", mesmo que, de certa forma, massificado. O que está em causa não é as pessoas irem ou não ver o filme por ser do Tarantino, não é algo que "venda automaticamente". O que acho interessante é que, como os radiohead ou os animal collective (ou o thomas pynchon, na literatura, ou como mais uns quantos) o Tarantino tornou-se um cânone obrigatório para quem quer ser um intelectual cool. Se não gostares, se levantares o dedo, és imediatamente excluído do mui honrado grupo.
Tenho a impressão que, se fizesses esse teu teste do último parágrafo, mais de metade das pessoas que disseram "É Tarantino (ora essa!)" teriam uma opinião pouco favorável. É perigoso (para ele próprio) quando um autor se torna factor de legitimação imediata. Idiotas a seguirem modinhas, desses há sempre.
(tentei que o comentário não ficassemaior que o post, achoq ue consegui, lol)
paulo (agora sim, de assinatura disciplinada)
Claro que não estou a dizer que éimpossível gostar-se daquele filme, que é objectivamente mau. Agora que é sempre de desconfiar quando há estes unanimismos acríticos, isso é. Mas, tendo ouvido também pessoas que disseram um mero "É Tarantino..", também conheço outros que gostaram muito do filme e que o defenderam bem.
paulo
Não se passará o mesmo no mundo da roupa ou dos adereços de moda? Será que frequentemente não dizemos que um relógio, uma camisola ou uns óculos escuros são bons só por causa da sua marca?
Acho que as pessoas precisam de uma escala de valores absoluta pela qual possam pautar as suas opiniões de forma a pertencer a um grupo - e que para pertencer a esse grupo muitas vezes estão dispostas a seguir o grupo sem prestar muita atenção ao caminho que estão a tomar.
Já foram feitos vários estudos de interação de grupo em que as pessoas chegam a negar o que vêm á frente só porque têm outras pessoas ao lado a dizer que não vêm o mesmo...
Miguelb
Acho que é um bocado o que se passa com o Kusturica.
O gato preto, gato branco era bom, mas os seguintes tão bons quanto cházinhos de tília....zzzzz...
mas...eu gostei desta tarantinada!!! :)
E do Stardust ninguém fala do Stardust?
Havia tanto para dizer sobre o stardust... também gostaste?
Miguelb
Crisina, continuo a achar que tu que escolheste o filme gostaste menos que eu e o meu irmão.
Não é propriamente o meu tipo de filme mas deu para entreter. Lá está, era o objectivo do filme (e o objectivo a que me propus quando o fui ver) e foi cumprido.
e também gostei de sair do cinema parcialmente surda, graças ao elevado nível de decibeis daquela sala
[respondendo ao miguel]
claro que sim. a joana escreveu sobre o death proof quando podia, perfeitamente, e nos mesmos moldes, ter escrito sobre essa aberração do milénio que são os crocs (aquelas "sandálias" coloridas que tornam muitos pés em coisas ofuscantes e hediondas). Aì o exemplo é flagrante: aquilo parece-me quanse objectivamente feio, e, porém, um sucesso. De certeza que muita gente que os usa agora teria gozado se os visse nos pés de outro, há dois anos atrás.
Também acho que tem tudo a ver com dinâmicas sociais. Eu, quando me julgava "dred" também usava a roupa mais hedionda, apenas para me sentir implicado no meu grupo de pertença. Mas isso era um microgrupo, o Tarantino e os Crocs são coisas transversais.
paulo
(respondendo à Joana)
Esqueceste-te do António, ele também se queixou que ficou surdo.
:)
Cristina
[respondendo à Cristina]
Ó Cristina, pronto, eu também não desgosto assim tanto do Lobo Antunes, ficava muito contente se ele ganhasse o Nobel, apesar de preferir que ele fosse para o Ramos Rosa. ;)
paulo
(respondendo ao Paulo)
Tem graça que quando o meu irmão pos o comment, me lembrei logo dos crocs. a primeira vez que vi aquilo foi numa loja e pensei "mas quem é que usa isto?!!!!" descobri, depois, horrorizada que toda a gente usa aquilo. a vesao que eu ouvi foi que aquilo começou nos morangos com açucar e a moda pegou. dizem que é muito confortável, mas nada jsutifica aquilo ;)
Enviar um comentário