Ontem fui para casa de comboio. Tinha o habitual livro comigo mas li pouco. Li pouco porque estive entretida a observar as pessoas. Estava uma daquelas tardes frias, escuras e ventosas, muito propensas à nostalgia.
À minha frente ainda na estação estava um senhor cego, ou quase cego porque se notava que ainda via um pouco e usava óculos com lentes graduadas. Estava com dificuldade para entrar no comboio e uma senhora ajudou-o e sentou-o no lugar que um outro passageiro cedeu.
Toda a gente foi muito educada mas ao mesmo tempo aquilo foi um pequeno espectáculo porque estávamos todos (sim, eu também) a seguir atentamente o episódio.
Não sei o que levou as outras pessoas a olhar mas sei o que me chamou a atenção a mim. Não foi o facto de ele ser cego. Se bem que isso tenha sido o catalizador. Se ele tivesse uma visão normal se calhar não reparava nele.
Aquele ser humano que estava à minha frente tinha um ar triste. Uma tristeza que parecia vir de dentro e contaminar tudo em volta. Ou, pelo menos, contaminar-me a mim.
O cabelo desalinhado, a barba por fazer, a roupa quente mas descuidada … tudo lhe dava um certo ar de abandono que me afectou bastante durante a viagem inteira. Era daquelas pessoas que parecem não esperar nada. E que não têm ninguém que espere por elas.
Talvez fosse eu. Talvez tenha romanceado demasiado e confundido tristeza pura com o cansaço de mais um dia de rotina. Afinal, também eu já andei de comboio com ar cansado e desleixado. Também eu já chorei em público no final de um dia mau.
Mas havia ali qualquer coisa que me tocou e quase me fez querer perguntar-lhe se, afinal, ele era feliz.
Não o fiz. Podia ser mal interpretada. Podia estar a ser intrometida. Estaria a quebrar uma série de regras criadas pela nossa sociedade. Não fui capaz de sair do meu mundo, do meu egocentrismo.
Peguei no meu livro e li.
E fiquei mais feliz e agradecida do que é costume por a minha mãe me ter ido buscar à estação.
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3 comentários:
Também já dei por mim a ficar triste a observar pessoas onde vi rostos tristes e perdidos, roupas sujas e rasgadas, pouco agasalho, olhos de súplica, raiva e incompreensão. Quase automaticamente sinto o impulso de querer fazer algo para ajudar esse alguém, mas logo a seguir fico paralisada sem saber muito bem como e o que fazer. Um sentimento de impotência instala-se, depois vem o desconforto até vir a desculpabilização motivada por um sentimento de auto protecção, induzindo o distanciamento egoísta face à situação observada… Por fim, chega-se ao destino da nossa viagem e com ele vem a nossa realidade, na qual nos embrenhamos de novo…
Tenho essa sensação quando cedo o lugar a alguém mais velho no metro, por exemplo.
Melhor, no outro dia um idoso perguntou se podia sentar-se à minha mesa durante o almoço e conversámos um bocadinho sobre o reumático, os familiares que não ligam e os bons tempos - o rol normal de temas que para mim foram naturais. Ao contrário das "velhas" na mesa ao lado que ficaram uma data de tempo a olhar para nós como se fossemos ET's. É que normalmente este senhor está a almoçar sozinho.
É como ir a uma exposição do world press photo (ou quando se vê na televisão imagens de manifestantes a serem espancados, ou um filme sobre as condições de trabalho dos operários chineses, ou outro qualquer acontecimento rotineiro do género). Sofre-se, sofre-se muito. Por vezes a crueza e crueldade daquilo (do Mundo) é quase intolerável.
É tremendamente perturbador, sentimo-nos desprezíveis, no nosso conforto de classe média ocidental. Talvez uma vontade de fazer algo nos envolva, um apelo do exótico (partir e ir para África construir escolas, uau, isso é que era). Isso é que era.
Chegamos a casa embrenhados em tão nobres pensamentos, ligamos o computador e vamos ver blogs.
(eu, naturalmente, nunca fui fazer voluntariado para África, sou o próprio alvo do que escrevo)
paulo
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